O Latim – sua história, importância e seu uso no Direito

Por Raphael Soares Gullino

O homem é um ser que necessita viver em sociedade e, por isso, busca comunicar-se das mais variadas maneiras. A fala é a primeira manifestação utilizada para comunicar-se. Ao longo da história podemos observar que a comunicação foi sistematizada, criando-se, assim, muitas gramáticas e muitos idiomas surgiram. Diferentes idiomas podem apresentar semelhanças em razão de sua origem comum. É o caso do latim.

O Latim e o Grego nasceram de um tronco comum: um idioma chamado Indo-Europeu. Podemos perceber uma semelhança entre Latim e Grego em alguns termos tais como arbor (latim) e herbo (grego) em que ambos significam árvore; a palavra latina mater e a grega meter em que ambas significam mãe; outro exemplo trata-se de uma palavra de mesma grafia e significado: a palavra pai que tanto em latim quanto em grego grafa-se pater.

Os primeiros escritos em latim datam do século VII a.C. e foram encontrados na região no Lácio, no centro da Itália. O idioma foi difundido por todo o Império Romano, durante a conquista, chegando a ser a língua mais falada na Europa antiga. Os povos conquistados eram obrigados a aprender e falar o latim e tal latim falado pelo povo não era o mesmo falado em Roma. Surgem, neste momento, duas modalidades da língua: o Latim Clássico, falado em Roma, utilizado na Literatura, sem colóquios e que posteriormente dará origem ao italiano; e o Latim Vulgar, falado pelos povos conquistados que, misturavam a língua nova aos dialetos já utilizados criando novos dialetos que se tornaram novos idiomas tais como o francês, o espanhol, o português entre outras.

Nosso ordenamento jurídico tem sua no Direito Romano da antiguidade, que utilizava o latim clássico. Muitos termos jurídicos são termos latinos tais como pacta sunt servanda (os contratos/pactos devem ser obedecidos), non bis in idem (não [aplicar] de novo o mesmo), dura lex sed lex (a lei é dura, mas é a lei), etc. Termos jurídicos em português também tem sua raiz latina. A palavra “advogado” vem de “ad vocare”, ou seja, “evocar para si que é de outrem” ou “falar por outrem”. Por ser a língua oficial da Igreja Católica, o latim era utilizado no processo judicial medieval.

A Idade Média foi um período de grandes transformações na órbita jurídica. O Direito Romano é modificado pelo Direito Canônico Medieval em sua forma, permanecendo, contudo, o idioma.

O vernáculo, no decorrer do processo judicial, só foi admitido na época da Revolução Francesa (1789) quando Napoleão Bonaparte instituiu como língua oficial do processo, o francês, afastando o latim.

O Latim é uma língua morta. Morta porque caiu no desuso. Morta porque não é mais utilizada comumente e, assim sendo, é imutável. A língua se modifica pelo uso. Dentro do próprio português podem-se encontrar vários exemplos disso. Um deles é a palavra você que nasceu das palavras vossa mercê. O uso comum e constante das palavras faz com que elas se modifiquem, o que não ocorre mais no latim.

Atualmente, as faculdades de Direito ensinam, conjuntamente com as disciplinas, termos e princípios em latim tais como: “Nullum crimen, nulla poena sine lege” (Não existe crime nem pena sem lei anterior que os defina) ou “In dubio pro reu” (Na dúvida, a favor do réu) no Direito Penal; “Da mihi factum, dabo tibi jus” (Dá-me os fatos e eu te darei o Direito) ou “allegatio et non probatio, quasi non allegatio” (Alegar sem provar, como se nada tivesse alegado) no Direito Processual; os efeitos “ex nunc” e “ex tunc”; as sentenças que podem ser “extra petita” (fora do que foi pedido), “infra petita” ou “citra petita” (menos do que foi pedido) e “ultra petita” (mais do que foi pedido); contrato de compra e venda cujo objeto pode ser “ad corpus” (pelo corpo) ou “ad mensuram” (pela metragem); os remédios constitucionais “habeas corpus” (tenhas o corpo) e “habeas data” (tenhas os dados); etc. - Até o “etc” utilizado no final de algumas frases é advindo do latim: “et cetera” (e os demais).

A importância do latim é, pois, no Direito atual, sua rica fonte histórica que permite fazer com que a justiça hodierna não perca suas raízes tradicionais lingüísticas no gene da ciência jurídica, isto é, o Direito Romano da Antiguidade.

Assim como nós guardamos características que herdamos de nossos descendentes, ou de experiências que tivemos no passado, assim o Direito guarda expressões latinas de sua origem romana antiga. Características arraigadas que não merecem ser modificadas, afinal, “verba non mutant substantiam rerum” (as palavras não mudam a substância das coisas).